[Álbum] QVVJFA: uma análise sobre o álbum de Baco Exu do Blues
- Julia Kamilly
- 5 de dez. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 20 de fev.
Lançado dia 26 de janeiro de 2022, o álbum revela-se uma jornada impressionante, explorando diversos aspectos da experiência humana e da cultura brasileira.
Por Julia Kamilly
O álbum "QVVJFA?" conta com participações especiais de outros cantores reconhecidos no cenário da música popular brasileira, o quarto álbum de estúdio do rapper, cantor e compositor Baco Exu do Blues sucede “Bluesman” lançado em 2018 e vencedor do festival de Cannes.
“QVVJFA?” é uma sigla que se refere a frase "Quantas Vezes Você Já Foi Amado?” de cara, levando a entender que será um álbum mais introspectivo e sentimental. Cada faixa contribui para uma narrativa única, permitindo uma imersão profunda nas emoções e experiências do artista. Abaixo, confira a análise das letras.
1. "Sinto Tanta Raiva…"
Como o próprio título sugere, a música carrega uma expressão de raiva e possivelmente uma reflexão sobre a sociedade. A força da entrega vocal e a instrumentação potente nos traz a carga que a música apresenta criando uma atmosfera intensa e provocante.
“Me recordo dos meus ancestrais, todos continuaram
Me culparam sobre crimes que não cometi e isso é tão errado
Pensei em desistir, mas me acostumei com o peso de ser odiado
Só porque venci querem que eu me sinta culpado
Tudo bem, sempre fui maltratado
Ter autoestima sendo como eu se tornou pecado
Exu do Blues é vilão, um jovem inconsequente, surtado”
2. "Dois Amores"
O tema central da música "Dois Amores" pode apontar para questões relacionadas a relacionamentos e dilemas emocionais com questionamentos presentes como em “Até o verão já foi, por que você ficou? / Meu amor chegou, mas meu ódio voltou / Por que eles insistem em testar minha fé / Sabendo que não vão conseguir?”
A diversidade temática continua a enriquecer a experiência do ouvinte.
3. "Cigana"
A inclusão de "Cigana" no álbum pode indicar uma quebra da abordagem mais romântica e convida o ouvinte a uma imersão do lado espiritual.
“Vinha caminhando a pé / Para ver se encontrava a minha cigana de fé (eu vinha)”. O trecho inicial faz parte de uma cantiga “Pomba Gira Cigana da Estrada” que por diversas vezes a letra faz referências como por exemplo: “E na palma da minha mão (da minha mão) / Ela me mostrou meu caminho (caminho) / E me deu sua proteção / Hoje eu me sinto feliz” Trazendo um resgate não apenas espiritual mas cultural também.
4. "20 Ligações"
A música "20 Ligações" proporciona uma conclusão reflexiva ou um olhar para o futuro, consolidando as narrativas apresentadas ao longo do álbum.
5. "Mulheres Grandes"
A inclusão de "Mulheres Grandes" sugere uma reflexão e uma possível exploração da feminilidade sob uma perspectiva madura. “Mulheres grandes demais / Com desejos gigantes / Não servem pra ser amantes”
“Mulheres Grandes" do Baco Exu do Blues é uma música que mergulha nas dinâmicas emocionais dos relacionamentos, apresentando uma mulher multifacetada e desafiando ideias convencionais sobre o amor. A mistura de humor, crueza e reflexão torna a música envolvente, permitindo que os ouvintes se conectem emocionalmente com a experiência compartilhada pelo narrador.
6. "Samba in Paris" (part. Gloria Groove)
A mudança para a faixa "Samba in Paris" indica uma diversidade musical, com um bela mistura, possivelmente incorporando elementos do samba com uma perspectiva contemporânea do R&B. A fusão de estilos destaca a versatilidade artística do cantor.
A letra é construída em torno de várias referências ao país europeu, com menções ao Museu do Louvre, Arco do Triunfo, a boate parisiense Moulin Rouge e a cidade Saint-Tropez. Especulando a história por trás da letra, é possível que tenha relação a viagem no festival de Cannes, já que inicialmente temos uma voz feminina relatando que já faz tempo que os dois não se vêem e que sente saudades do Baco:
“Ça va, bébé? / Tu prends beaucoup de temps / Je sais que le Brésil est incroyable / Mais je besoin de toi ici, Baco / Tu me manques / J'ai hâte de te revoir / Bisous, amour”
(Como cê tá, bebê? / Você tá levando tempo demais / Eu sei que o Brasil é incrível / Mas eu preciso de você aqui, Baco / Tô com saudades de você / Mal posso esperar pra te ver / Beijos, amor).
Toda essa narrativa nos é apresentada envolta de uma melodia envolvente e as vozes do Baco com a participação especial da cantora Gloria Groove, tem um ar mais intimista quando é possível ver além do trecho de uma possível ligação, um trecho de uma conversa com um homem sobre como é possível perceber quando alguém está apaixonado para encerrar a faixa. "Mas eu tive essa sensação muito doida, né / De que você tava apaixonado / Tinha voltado um / Tinha aparecido um brilhinho diferente nesse olhar de ursinho"
7. "Sei Partir" (part. Muse Maya)
“Não me prometa se não vai cumprir / Se for só uma noite, tudo bem / Eu não sou frágil, mas eu sei partir / Não dependo de ninguém”. A sétima faixa do álbum já inicia com o famoso choque de realidade já bem conhecido nas músicas produzidas por Baco.
Nos é estabelecida uma atmosfera melancólica, com o eu-lírico questionando o par romântico “Do que você tem medo? / Parecia corajoso / Fala que me odeia, me procura de novo”. Com o cantor explorando temas de despedida e autodescoberta. A instrumentação sutil e a entrega emocional do artista definem o tom introspectivo do álbum.
8. "Autoestima"
A faixa traz os versos “Foram 25 anos pra eu me achar lindo. / Sempre tive o mesmo rosto, a moda que mudou de gosto. / E agora querem que eu entenda seu afeto repentino. / Eu só tô tentando achar a autoestima que roubaram de mim”.
Para aqueles que não acompanhavam o cantor, Baco já sofreu inúmeros ataques gordofóbicos e racistas entre meados de 2017 e 2019, o que tem relação direta com os versos citados acima e a atual aparência do cantor.
A música nos traz questões relevantes que vêm sendo mais discutidas nos últimos anos. Os corpos negros sempre foram animalizados e objetificados, justamente porque a sociedade tardou a agregar valor a eles. Apesar das mudanças que a sociedade vem passando nos últimos anos, ainda prevalece um pensamento de que a valorização da comunidade negra está atrelada às características físicas.
A exploração da temática da autoestima pode trazer um ar mais pessoal ao álbum, permitindo que os ouvintes se identifiquem e se conectem emocionalmente.
9. "Lágrimas" (part. Gal Costa)
A presença de uma faixa intitulada "Lágrimas" sugere uma exploração emocional mais intensa. Novamente sendo uma música que traz trechos de outra, desta vez sendo “Lágrimas Negras” da artista Gal Costa.
“Lágrimas negras, caem, saem, saem / Lágrimas negras, caem, saem, saem”
“Beleza são coisas acesas por dentro / Beleza são coisas acesas por dentro”
Na narrativa o eu lírico mostra para os outros um lado “durão” mas para a pessoa amada ela não consegue desse jeito por não conseguir demonstrar o sentimento de amor como no trecho “Cássia, eu sou poeta, mas não aprendi a amar” fazendo referência a música “Malandragem” da cantora Cássia Eller.
A sensibilidade lírica de Baco Exu do Blues pode oferecer uma representação visceral do misto de sentimentos presentes na música. Coisas já aparentes na música original que foram bem refletidas nesta adaptação.
10. "Inimigos"
A abordagem de "Inimigos" além de explorar conflitos sociais e pessoais oferece uma crítica social perspicaz e letras adidas, coisa que Baco Exu do Blues é conhecido por fazer de melhor.
“Rivais e polícia em cima Já que errar é humano, Deus é expectativa / Esmeralda no canino / Meninos latindo sem medo de nada / Meu chakra das ruas está bloqueado /O clima é pesado, muito olho gordo / Atacado por 5 eu atiro ou eu mordo”
11. "Imortais e Fatais 2"
A continuação de uma faixa anterior presente no álbum Esú (2017) sugere uma exploração contínua de críticas à sociedade e questionamentos sobre a mesma. Com uma perceptível evolução com relação a musicalidade mas, mantendo a essência de uma mensagem poética profunda.
“Quero dinheiro pra não ser escravo / A lei áurea é todo verso que eu escrevo / Rótulos me dão medo /Mestre de cerimônia não / Sou mestre cervejeiro / Amigo ou inimigo / Qual dos dois / Me mata primeiro” (Imortais e Fatais, 2017)
“Minha cidade tem meu rosto, minha pele / O ódio é o próprio espelho, é fictício / Morremos pelos nossos, como cosplay de Cristo / Nessas ruas a inveja é o pior vício / Pólvora nas esquinas, pensamento de presa / Existe um motivo pro mar vir depois da areia” (Imortais e Fatais 2, 2022)
12. "4 da Manhã em Salvador"
O uso do tempo e do local no título sugere uma narrativa específica. O Baco Exu do Blues pode estar compartilhando histórias íntimas ou reflexões pessoais, capturando a essência de sua cidade natal de modo a nos transportar para Salvador exatamente às 4 da manhã, somando de forma extremamente precisa o instrumental e a voz do cantor.
De modo geral, "QVVJFA?" É uma obra ousada que explora as complexidades da vida, usando uma variedade de emoções e experiências através da lente única de Baco Exu do Blues. A diversidade musical e temática torna o álbum intrigante e inteligente oferecendo uma experiência auditiva rica, única e envolvente.
Comentários